A noção de design, que se refere à concepção de objectos para a produção industrial, deve ser reconsiderada quando aplicada aos objectos têxteis necessitando por isso de algumas observações prévias.
A teoria básica do DESIGN desenvolveu-se na primeira metade do século XX a partir de movimentos estéticos e sociológicos que tentavam compreender e interpretar novas circunstâncias do começo do século motivadas pela mecanização e seriação da produção, mas também pelas novas condições da distribuição e do consumo de crescente procura.
Como um primeiro passo e no caso dos tecidos, assinale-se o trabalho de William Morris que, com alguma influência das teorias estéticas de John Ruskin, realiza a reabilitação do trabalho artesanal ao valorizar a importância dos materiais e das suas características, ao mesmo tempo que as valoriza esteticamente, através das formas naturais e do estudo das leis da composição dos efeitos repetitivos usados nos tecidos.
Morris estudou a história desses desenhos modulares desde a antiguidade clássica até ao período gótico, quando adquiriram um significado de “representação do crescimento contínuo do universo” como ele próprio dizia.
O recurso às formas naturais era para Morris um ponto fundamental da sua prática da dignificação das artes e ofícios (Arts and Crafts) porque “qualquer decoração será fútil se não nos recordar de alguma coisa para além de si própria, para alguma coisa de que seja um símbolo visível.”
Embora W. Morris valorizasse o trabalho manual e não apreciasse o trabalho feito pelas máquinas, as suas investigações e criações abriram caminho para uma valorização da produção de objectos “úteis” frente às obras até então consideradas de “arte”, tendo em conta as necessidades estéticas duma nova sociedade industrial que começava a identificar-se. Assim William Morris desenha tecidos e papéis de parede com motivos florais, sendo um antecessor directo do moderno desenho industrial, na era do romantismo da máquina.
Durante o século XIX a ideia de uma arte industrial foi-se consolidando através das obras de arquitectos e engenheiros que trabalhavam o ferro, aplicado em grandes obras, como pontos e edifícios públicos, de que Eiffel com a sua Torre em Paris é um exemplo paradigmático.
Mas é já no fim do século XIX e começo do XX que movimentos como a ART NOUVEAU (Henry van de Velde—1863-1956) nascido em Bruxelas e com movimentos análogos na Alemanha (Jugendstil), Áustria (Sucession), Itália (Liberty) e noutros países como por exemplo entre nós com Bordalo Pinheiro e o seu trabalho em azulejos, que o desenho repetitivo com características industriais começa a ganhar expressão.
Movimentos como o Futurismo italiano e o Construtivismo russo adquirem hoje um significado de contribuições decisivas na criação duma estética moderna, na qual o design virá a desempenhar um papel de intervenção nos ambientes e maneira de viver de muitas centenas de milhões de pessoas durante todo o século XX, e a partir da Europa e da América do Norte, atingir significado universal.
Mas é com a BAUHAUS (1919-1933) de Walter Grapius que a noção de design se desenvolve, principalmente ligada à produção de objectos para interior em diversos materiais e à arquitectura.
Sobre a Bauhaus, diz Guio Dorfles:
«De 1920 a 1925, a Bauhaus prosseguiu as suas actividades em Weimar e, a partir de 1925 até 1928, transferiu-se para Dessau, sempre dirigida por Gropius que, no último ano citado, dadas as dificuldades resultantes da tensa situação política criada pelo nazismo, abandonou a Alemanha, deixando a direcção da escola a Hannes Mayer. Na escola colaboraram algumas das personalidades artísticas mais relevantes da época, como Klee, Kandinsky, Feininger, Moholy-Nagy, Mies van der Rohe, Albers, Vordemberge-Gildewarl e os então muito jovens Max Bill, Gyorgy Kepes e Breuer.
Fig. Quatro padrões estampados de William Morris
Não é difícil pôr hoje objecções aos métodos didácticos da Bauhaus e limitar o alcance do ensino por ela ministrado. Com efeito, é sabido que uma determinada orientação “artesanal” prevalecia ainda sobre os métodos decididamente científicos que mais tarde iriam ser adoptados. Porém, não se deve esquecer a época em que a escola foi formada, quando vigorava ainda uma visão “esteticizante” do objecto industrial e da arquitectura. De qualquer maneira, não há dúvida de que sem a Bauhaus dificilmente se teria desenvolvido com tanta rapidez uma clara consciência dos novos requisitos a que deveria submeter-se a evolução da moderna arquitectura e do design. Quanto à perspectiva sociológica dada por Gropius ao seu ensino, e que actualmente remos de considerar um tanto utópica, importa assinalar que constitui uma primeira ruptura com os esquemas sociais oitocentistas efectivamente anacrónicos. Com efeito, Gropius procurava criar uma arte capaz de alcançar com o mínimo custo, o mais alto nível artístico, ao mesmo tempo que visava criar objectos destinados a todas as camadas sociais e não reservados a algumas elites. Além disso, acreditava que aliando o ensino artesanal ao industrial e artístico, se poderia formar o artista completo capaz de dominar todos os sectores da produção. Sabemos hoje que esse ideal “humanista” é quase inconcebível, sabemos que fazem falta outras bases de carácter científico, linguístico, psicológico e filosófico, que permitam alcançar uma clara visão do problema, embora não possamos ignorar a eficácia da doutrina de Gropius, não só na Europa mas também nos Estados Unidos, onde a sua influência foi decisiva.»
No entanto é significativo recuperar esta observação de Sócrates em XENOFONTE: (Os Memoráveis)
“Todas as coisas que servem aos homens são ao mesmo tempo belas e boas na medida em que servirem bem para o seu uso.
— Um cesto é belo?
—Sim, se bem adaptado ao seu fim, tal como um broche de ouro é feio se não se adaptar ao seu.”
Assim se põe em destaque a integração entre a função pragmática e a função estética dos objectos, independentemente dos seus materiais.
Essa interdependência, que é estrutural na noção de design, deve ser completada com as condições de produção industrial racionalizadas e normalizadas, a produtividade e as condições de comercialização.
Uma noção de design actual integra, necessariamente, os condicionalismos do marketing, como ciência do mercado.
Fig. Tecidos de Bauhaus
No caso têxtil, o design só começou a ser entendido como um indispensável instrumento na concepção dos tecidos a partir dos anos 60, com o aperfeiçoamento das linhas de fabricação têxtil e o começo da automação e informatização aplicadas à produção de tecidos. Mesmo os tecidos da Bauhaus, nos anos 20, não ultrapassaram muito o nível das artes decorativas e da produção artesanal, mais ou menos mecanizada.
Deve observar-se que o Design, na sua acepção mais rigorosa, se dedica a produzir protótipos que depois deverão ser policopiados rigorosamente através das linhas de produção em série.
Tal conceito deve, no caso dos têxteis, ser reinterpretado.
No design de tecidos o protótipo será a primeira amostra acabada ou a primeira metragem de tecido produzida.
Tal porção de tecido - a que se chama amostra, tem a função de constituir um padrão do respectivo tecido e pode ser usada também para a recolha de encomendas junto dos clientes. Posteriormente, as peças de tecido, com comprimentos que podem exceder os 100 metros, serão fabricadas segundo as especificações técnicas contidas na ficha de projecto do artigo.
O controlo de qualidade assegurará o não desvio significativo dessas especificações, durante a produção industrial.
Não é mais admissível a noção de desenho têxtil como mera decoração, onde por pintura, bordado ou estampagem se implanta um efeito estético numa base lisa (o tecido) que nada tem a ver com ele.
O tecido é de facto um objecto tridimensional, laminar, em que a espessura é diminuta, mas em que ambos os lados (o direito e o avesso) são indissociáveis das propriedades e características do todo, quer elas sejam físicas e funcionais, estéticas ou simbólicas.
O design têxtil, considera o tecido no seu todo físico - como objecto - e nas multiplicidades das suas funções.
O desenho não é uma cosmética, mas sim uma parte do design têxtil, em íntima relação com a finalidade do tecido, a sua estrutura, as matérias-primas e meios de produção.
Actualmente o design têxtil impõe-se como disciplina e metodologia para a concepção de tecidos, tanto para a sustentação de linhas de fabricação massiva de tecidos de baixo preço, como para a produção da inovação periódica que os artigos de moda impõem, como para a concepção de novos tecidos com o emprego das novas fibras sintéticas desenvolvidas na segunda metade do século XX.
As três funções dos objectos surgem, numa concepção de design, indissociavelmente ligadas em qualquer tipo têxtil, apenas variando a ênfase que se colocará em cada uma delas, consoante o artigo que se considerar.
De facto em todos os artigos têxteis coexistem as funções estética, pragmática e presentativa. Mas, por exemplo, numa rede de pesca predomina exclusivamente a função pragmática; num brocado de seda natural predominam a função estética e presentativa; numa farda de porteiro de hotel predomina a função presentativa; numa malha de nylon estampada predomina a função estética, mas nenhuma das outras está ausente. Num tecido de gabardina predomina a função pragmática (protecção da chuva) mas, uma vez mais, a estética e a presentatividade social não estão ausentes.
Integrar-se-ão estas três funções num triângulo que se poderá transformar num tetraedro com a integração da dimensão comercial concebida como marketing.
De um ponto de vista de design, e sem hierarquizar estas funções, poderse-á considerar que a concepção dos tecidos se poderá fazer de cada um destes pontos de vista, consoante o artigo que se desejar produzir.
No entanto, antes de entrarmos na elaboração técnica dos projectos de tecidos segundo a análise das suas funções é necessário estudar o desenvolvimento e as transformações conceptuais, históricas e culturais que sofreram e que determinam a actividade e a criatividade possível do actual designer têxtil.
Fig. Fragmento de tecido dos três reis magos de Colómbia que foi tecido na Siria no Séc. II.
Nota-se distintivamente o desenho em adamascado formado por sarjas pesadas e leves.